Casos de mistura de líquido de arrefecimento com óleo de câmbio são frequentes em oficinas mecânicas que relatam as possíveis causas do problema
texto Vitor Lima fotos Revista O Mecânico / Divulgação Stellantis
Diante da era dos SUVs, proprietários e empresas de autopeças tem dado atenção a este tipo de veículo com finalidades distintas. Enquanto o porte dos veículos utilitários ganha destaque com o público por conta de algumas características como tamanho, nível de tecnologia utilizada em sistemas de infoentretenimento, conectividade e conforto, as fabricantes de autopeças têm desenvolvido componentes que atendam cada vez mais esses tipos de veículos no mercado de reposição.
Veículos que foram destaque desde seu lançamento foram o Jeep Renegade e Compass. O Renegade foi lançado em 2015 e já passou da marca de 500 mil unidades vendidas em solo brasileiro. O SUV passou por mudanças visuais e principalmente mecânicas ao longo do tempo, utilizando o motor flex 1.8 e.TorQ de 139 cv e 19,2 kgfm de torque, com opção de transmissão manual ou automática (AT6). Outra opção era a versão com motor a diesel Multijet Turbo 2.0 de 170 cv e 35,7 kgfm de torque e câmbio automático (AT9). Atualmente o Renegade mantém suas versões com o motor 1.3 T270 turbo flex de 176 cv e 27,5 kgfm de torque.
O Jeep Compass de segunda geração e fabricado no Brasil chegou em 2016 com duas motorizações, a primeira era o motor Tigershark 2.0 flex de 166 cv e 20,5 kgfm de torque, já a segunda era o mesmo conjunto motriz do Jeep Renegade diesel 2.0 e transmissão automática AT9. O SUV também passou por mudanças ao longo dos anos e no que diz respeito a motorização, o SUV teve o motor T270 turbo flex em substituição ao 2.0 Tigershark, ganhou uma versão híbrida plug-in, além da mais recente atualização que conta com o motor 2.0 turbo derivado da picape Ram Rampage, com 272 cv e 40 kgfm de torque. O Compass já vendeu 481.767 unidades até o acumulado de fevereiro deste ano.
Porém, outro veículo que também teve destaque em seu segmento é a Fiat Toro, com estreia em 2016, a picape acumula mais de 500 mil unidades vendidas no Brasil, e também fez trocas de motorização durante os anos. Para a picape, foram utilizados os motores 1.8 e.TorQ e o Multijet turbo 2.0 a diesel, mesmos motores do Jeep Renegade. Porém a Fiat Toro estreou o motor 2.4 Tigershark flex de 186 cv e 24,9 kgfm de torque, além de ter como opção os motores T270 flex, também utilizado nos modelos Jeep Compass e Renegade, e recentemente ganhou uma nova motorização 2.2 Multijet turbodiesel de 200 cv e 45,9 kgfm de torque, derivado da picape Ram Rampage.

Mas qual o intuito disso tudo? Pois bem, como já é conhecimento dos mecânicos, os modelos citados acima têm seu sucesso com o público, mas também já são bem comuns nas oficinas independentes. Vale deixar claro que, os projetos estão longe de serem ruins, muito pelo contrário, são bons produtos para o consumidor, desde que sejam mantidas as manutenções preventivas com rigor e feitas verificações em sistemas específicos, como o de arrefecimento, principalmente no caso desses veículos com o motor T270 turbo flex.
Por que um trocador de calor?
Nesses modelos, o motor T270 tem acoplamento de uma caixa de transmissão automática, a qual tem refrigeração líquida do óleo de câmbio, graças a um trocador de calor. Esse componente tem a função de manter a temperatura do fluido de transmissão dentro dos padrões normais de funcionamento, por meio da troca de calor feita entre o líquido de arrefecimento e o óleo de câmbio.
A utilização de trocadores de calor é comum na indústria automotiva, mas os modelos citados acima, acumulam visitas em diferentes oficinas com problemas semelhantes nos trocadores de calor do câmbio. Porém, o que de fato ocorre com esse componente que é, comumente, tido como problema crônico nesse projeto de acordo com as oficinas?
De acordo com relatos, o sintoma é a mistura do líquido de arrefecimento com óleo de câmbio, que pode afetar o sistema de arrefecimento do motor, causando menor impacto ao veículo quando o sistema passa a ter a presença do óleo de câmbio circulando pelas galerias do motor.
Porém, quando há líquido de arrefecimento em contato com óleo de câmbio da caixa de transmissão, os prejuízos podem ser muito altos ao proprietário do veículo, uma vez o sistema de transmissão necessitará de manutenção corretiva e os valores vão depender da proporção dos danos causados por essa mistura dentro da caixa de engrenagens.
Para tentar entender o que acontece com o sistema e o trocador de calor da transmissão desses veículos, a Revista O Mecânico conversou com quatro mecânicos que tiveram mais de um caso em suas oficinas, dos quais o componente tinha ligação ao problema do veículo após diagnósticos realizados.
Na visão de Carlos Eduardo Vieira, mais conhecido como China, mecânico com vasta experiência no setor de manutenção automotiva, a temperatura ideal de trabalho do fluido de transmissão pode variar entre 80°C a no máximo 107°C sendo que a melhor faixa de trabalho é de 86°C a 96°C.
O mecânico informa que na oficina não é incomum casos de problema no sistema do trocador de calor da transmissão e, em sua visão, o culpado não é o componente em si, mas sim, o sistema que controla essa função.
“O trocador de calor tem a fama de ser o vilão das transmissões que utilizam esse sistema para o seu resfriamento, quando na verdade o grande vilão é qualidade da composição do fluido de arrefecimento. A não utilização de aditivo de arrefecimento na proporção correta, juntamente com água desmineralizada, fazem com que o sistema de arrefecimento não cumpra o seu papel corretamente”, alerta China.
O experiente mecânico explica motivo disso acontecer. “Isso faz com que aumente expressivamente o processo de eletrólise e o efeito de cavitação que irá atacar o trocador de calor entre outras partes de alumínio que compõem o sistema de arrefecimento que tem seu elo mais frágil o trocador de calor, corroendo ao ponto de fazê-lo furar internamente”.
A depender da dimensão do furo, o fluido da transmissão passa para a galeria do líquido de arrefecimento contaminando todo o sistema, o que causa prejuízo ao proprietário do veículo. Porém, não tão maior quanto se ocorrer o contrário. De acordo com o mecânico, se o líquido de arrefecimento passa para a galeria do óleo de transmissão, há contaminação de todo o sistema da transmissão automática, colapsando o componente e o que pode custar ao bolso do proprietário valores entre R$ 20.000,00 a R$ 60.000,00.
Ao receber os modelos Jeep Compass, Renegade e Fiat Toro na oficina, China detalha que, mesmo que seja para manutenções específicas, é importante verificar o sistema de arrefecimento, juntamente com a integridade do fluido.

“Quando entra alguns desses veículos na oficina, para que eu realize alguma manutenção específica, sempre me mantenho atento ao sistema de arrefecimento, a qualidade do líquido de arrefecimento e a quilometragem do veículo. Tenho como padrão realizar a substituição do trocador de calor de forma preventiva a cada 40 mil quilômetros, substituindo por uma peça original ou fazendo um upgrade por um trocador de calor resfriado a ar (radiador de óleo)”, explica.
Além de diferentes marcas terem o radiador disponível no mercado de autopeças, o próprio Grupo Stellantis tem um sistema na Fiat Toro Diesel que é aplicado por alguns mecânicos, e também pelo China, em substituição do trocador de calor dos motores flex.
De acordo com o profissional, essa é uma das melhores alternativas, além de frisar que a manutenção preventiva pode evitar esse tipo de problema. “É uma alternativa das mais eficientes e com acabamento profissional. Na minha opinião, o trocador de calor é o elo mais frágil de todo o sistema abordado. Uma boa manutenção no sistema de arrefecimento, com aplicação de aditivo e água desmineralizada de boa qualidade, em conjunto de uma manutenção preventiva criteriosa, ocasiona em maior tranquilidade e economia aos proprietários desses veículos”, conclui.
Casos de “troca preventiva”
Icaro Simões, proprietário da Casalub Com. Lubrificantes, comenta que, com a frequência de casos relatados na internet que envolvem o trocador de calor da transmissão, muitos proprietários, até de veículos novos chegam na empresa para realizar a substituição do trocador de calor para evitar qualquer problema futuro.
“Recentemente eu realizei a troca em uma Fiat Toro 2024, o procedimento consiste na retirada do sistema que vem de fábrica, aquele pequeno bolsão e utiliza-se no lugar um modelo de 6 ou 8 vias”, informa Icaro.
De acordo com o mecânico, a quilometragem entre esses veículos varia muito, há clientes com exemplares de até 80 mil km que procuram o serviço de troca por diferentes motivos, seja por não confiarem no sistema, medo de acontecer algum problema com a transmissão do veículo ou até por não saber se já foi realizado alguma substituição do óleo de câmbio.
“Primeiramente, nós realizamos uma avaliação para identificar se o óleo do câmbio está bom. Neste primeiro diagnóstico, não pode haver problemas com o câmbio. Tem cliente que aparecem com carro zero quilometro, outros com os veículos mais usados, a questão é que, atualmente os consumidores que compram Fiat Toro, Jeep Renegade e Compass, estão mais cientes”, explica.
Com a popularização deste problema, é possível encontrar kits na internet para solucionar o problema do arrefecimento da caixa de câmbio, que é a solução utilizada nos motores a diesel. “Vale lembrar que estamos falando do câmbio de seis velocidades que estão presentes nos modelos da Jeep Compass, Renegade e na Fiat Toro, que é o AT6. A transmissão automática de nove marchas (AT9) não passa por esse problema, porque ele utiliza um radiador grande, localizado na parte frontal do veículo”, comenta Icaro.
Para ele o problema é que o trocador de calor é muito pequeno para quantidade de óleo que o câmbio que precisa ser arrefecida, já que dentro do componente existe uma parede que contém uma membrana, de um lado passa o óleo de câmbio, do outro o líquido de arrefecimento e o problema é justamente ali.
“Quando o câmbio é contaminado com água ele apresenta problema, pois, os periféricos internos como as membranas dos discos são feitos de celulose, e eles não podem ter contato com o líquido de arrefecimento, caso ocorra, serão comprometidos”, alerta o profissional.
Os trocadores de calor originais dos motores T270 são relativamente pequenos, o que acaba gerando muito calor no câmbio. A causa dessa manutenção geralmente está sempre ligada ao aumento de temperatura.
Com isso, o hábito de realizar a manutenção preventiva nos prazos corretos e fazer verificações periódicas nos sistemas é importante. Pois, até pouco tempo diferentes montadoras não informavam sobre a substituição do óleo de câmbio. Vale a pena lembrar que nos manuais destes veículos citados não há recomendação de substituição do óleo de câmbio automático, a indicação é de que o lubrificante dura a vida útil da caixa de transmissão “for life”.
De acordo com Icaro Simões, ao realizar a substituição do trocador de calor pelo radiador arrefecido a ar, a temperatura do óleo de câmbio reduz em cerca de 10 a 15 graus Celsius.
A Stellantis realizou uma melhoria neste sistema nos novos modelos, mas Icaro informa que, mesmo com a melhoria alguns proprietários não estão correndo o risco e procuram oficinas para substituir o sistema menor por um maior.
Cleyton André, proprietário da oficina Repair Car Service indica que o problema tem estágios diferentes, o que muda a forma de manutenção e solução do ocorrido.
“Em casos que estão em fase inicial, será detectado a presença de água dentro da caixa de transmissão ou a presença de óleo no sistema de arrefecimento em pouca quantidade. Situações agravantes podem ocorrer, como a presença do óleo de câmbio no sistema de arrefecimento (menos prejudicial) ou o fluido de arrefecimento ir para dentro da caixa de transmissão (mais prejudicial)”, informa o mecânico.
Para ele, quando é detectado a presença líquido de arrefecimento na transmissão em baixas quantidades, o problema é reversível. Claro que, esse fato causa problemas, mas há possibilidade de não comprometer a caixa de transmissão.
Já nos casos de maior quantidade do fluido na caixa de câmbio, os danos causados são praticamente irreversíveis, necessitando a abertura da caixa de transmissão para substituição de discos de composites e os componentes metálicos que foram afetados pela oxidação causada pelo fluido de arrefecimento.
O profissional comenta que atenção ao sistema de arrefecimento e até a substituição preventiva do trocador de calor da transmissão, podem ajudar na longevidade do conjunto. “Esteja sempre atento ao sistema de arrefecimento, pois, ele é o principal causador do deste problema. Um produto que seja de baixa qualidade pode danificar o trocador de calor. A substituição do trocador de calor para ser muito cuidadoso, deve ser realizada a cada 40 mil quilômetros no máximo, para preservar o sistema e não correr nenhum risco”.
Para os motores T270, Cleyton recomenda diminuir o período de troca do fluido de arrefecimento para 40 mil km, com intuito de maneira preventiva, evitar o problema no trocador de calor da transmissão nesses motores, já que o manual do proprietário dos veículos Jeep Renegade, Compass e Fiat Toro, que estão equipadas com essa motorização, indicam a substituição a cada 240 mil km, ou 10 anos, o que ocorrer primeiro.
“Isso é uma boa prática para preservar o sistema do veículo a cada 40 mil quilômetros, ou pelo menos monitorar o líquido de arrefecimento neste mesmo período, para saber se o fluido está apto para realizar a proteção e ajudar no arrefecimento de maneira correta do sistema. O trocador de calor pode ser substituído a cada 40 mil km”, comenta o mecânico.
Já Ulisses Miguel, consultor técnico da Revista O Mecânico e proprietário da oficina Mecânica de Autos Prof Xará, relata que é comum surgirem clientes com problemas no trocador de calor da transmissão nos veículos da linha Jeep.
Segundo ele, isso não é limitado aos veículos com os motores 1.3 turbo flex T270, o profissional descreve um dos casos em sua oficina que realizou a substituição do trocador de calor por um sistema de radiador de óleo externo, com intuito de sanar problemas futuros com a transmissão em um Jeep Compass 2018. A montadora comercializava o modelo com duas configurações de motores, para os veículos flex o SUV utilizava o motor 2.0 de 166 cv e 20,5 kgfm de torque. Já os modelos a diesel, tinham um motor 2.0 de 170 cv de potência e 35,7 kgfm de torque.
“Para realizar essa substituição, foi desmontada a frente do carro e posicionado o novo radiador de óleo externo a frente dos radiadores do fluido de arrefecimento e do ar-condicionado. As mangueiras são conectadas à um flange que fica localizada no lugar do trocador de calor original do veículo. A passagem do fluido de arrefecimento que tinha no trocador de calor original, é colocada uma mangueira em formato de ‘U’ para manter a circulação do fluido no sistema, não sendo mais utilizado para arrefecer o fluido do câmbio”, informa Ulisses.
De acordo com o consultor, essa mudança faz com que o fluido da transmissão automática permaneça com melhores temperaturas de trabalho, não correndo o risco de estragar o trocador de calor, além de evitar a mistura do fluido de arrefecimento com óleo de câmbio.
Cleyton também comentou sobre essa prática de realizar a substituição do trocador de calor da transmissão que vem com o veículo, por um trocador arrefecido a ar da Fiat Toro com motor diesel.
“No mercado, existe uma alternativa que é a utilização de um radiador refrigerado a ar. É uma boa solução, o pessoal que faz essa adaptação usa o próprio radiador original da Fiat Toro diesel na aplicação. Como não está sendo mais utilizado o trocador térmico, a solução se torna eficiente”, conclui Cleyton.
Para Ulisses, o causador dos problemas para os veículos antes de utilizarem o motor T270, é a falta de atenção com a manutenção do fluido de arrefecimento. No manual do proprietário do Jeep Compass 2018, é indicado a substituição do fluido de arrefecimento a cada 2 anos. Ao não realizar essa manutenção, o líquido de arrefecimento tem o seu PH alterado por envelhecimento e começa a ocorrer uma corrosão no trocador (mesmo sendo de alumínio) misturando líquido e fluido, em alguns casos há necessidade de recondicionar a transmissão.
O profissional chama atenção para recomendação do período de substituição do fluido, uma vez que, as montadoras geralmente consideram que o veículo rodará 10 mil km a cada 12 meses, ou seja, um ano. Levando isso em consideração, o fluido deveria ser substituído a cada 20 mil km, ou dois anos (24 meses).
Porém, deve ser levado em consideração o uso severo na utilização do veículo. Nessas condições, os prazos de substituição dos componentes devem ser reduzidos pela metade, ou seja, ao invés de dois anos, o fluido de arrefecimento deve ser trocado a cada um ano. Nos manuais do Jeep Compass desde 2018, seja para as motorizações 2.0 flex, 2.0 diesel e 1.3 turbo flex, não há recomendação de substituição. De acordo com a Jeep, o fluido é ‘For Life’, tem a mesma vida útil da caixa de câmbio.
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